Falar do futuro que ainda não existe é um exercício poético. Ficções e utopias são sempre documentos sobre o dia de hoje. Tratar de tendências ou perspectivas é algo acima do “chute” e abaixo da verdade.
Os pequenos textos constituem um quadro desafiador a partir de muitas personalidades e suas distintas visões de Brasil e de mundo. São olhares privilegiados. Falam, em primeiro lugar, dos próprios autores e, secundariamente, do objeto “expectativas”. Porém, esses “haicais” sobre 2018 se revelam importantes. Funcionam como a fábula do elefante descrito por cegos: cada um transforma sua impressão no todo. O Brasil é formado por mais de 200 milhões de cegos como eu e como você. Cada um insistirá em uma corda, coluna, espada ou parede de acordo com a parte do paquiderme a qual estiver habituado. Nossa subjetividade é o nosso reino. É salutar ouvir notícias de outros territórios mentais.
No campo da política, quem está lançando projeto ou chegando aos holofotes agora é dominado pela esperança. É o caso do juiz Marcelo Bretas ou Eduardo Mufarej, com projeções no rumo de uma pátria proba e de uma geração de semeadores. Fernando Gabeira, pelo contrário, viu projetos políticos subirem e descerem e já participou de utopias e das respectivas decepções. Diminui a cor do item renovação dramática e indica o caminho mais desconfiado inclusive, sob o horizonte de volta do crescimento.
No plano internacional, a perseguida procuradora da Venezuela assume o papel de sibila vingativa e aposta na destituição do projeto bolivariano daquele país. Sempre analisamos o “efeito tequila” (o México ser nosso horizonte) ou o “efeito tango” (a influência da Argentina) sobre o Brasil. Nunca pensamos em batizar um “efeito joropo” ou o “efeito arepa” sobre os riscos de a Venezuela estar mais ao fundo de um poço sedutor a tantos.
No item Metrópole, o médico Roberto Kalil Filho fala da importância do SUS para a maioria da sociedade brasileira. O caminho apontado pelo especialista seria a saúde pública imitar mais o modelo do InCor. O público também aparece na indicação do arquiteto Vinicius Andrade. Tanto o médico como o arquiteto indicam as sendas para o fim do isolamento em encraves privados de medicina ou habitação e a redescoberta da dimensão social. Ambos fazem uma aposta política ao destacar o papel do Estado na melhoria da vida biológica e social dos cidadãos.
Os atletas parecem sair de uma fase de memória de dificuldades para uma esperança na área. Todos reclamam de forma sutil das entidades e da dificuldade de verbas. Depois de uma relativa euforia com a Olimpíada e a Copa no Brasil, restou um gosto mais acre do que imaginamos.
No setor cultural, três depoimentos distintos. Ingrid Guimarães faz a aposta otimista na esperança desabrida. Fernanda Torres dá uma dimensão negativa ao conceito e prefere falar da crueza do mundo real. Lázaro Ramos parece desenvolver um caminho entre os dois mundos: anseios entremeados de dificuldades. Meu coração está com a Ingrid, meu cérebro anui com a Fernanda e meu 2018 deverá seguir o roteiro do meu amigo Lázaro Ramos.
Walter Salles deixa entrever o possível a partir de uma forte crítica ao ano que se encerra. Sua posição sobre nossa democracia claudicante é forte.
Fazendo balanço geral, as expectativas dizem respeito a vários conceitos opostos-complementares. Um gira em torno do papel do Estado e da sociedade civil. Há quem compre fichas para uma solução estratégica dada pelo governo, outros fazem fé na sociedade civil. O Estado seria a causa ou a solução dos nossos problemas? Os notáveis dividiram-se. Junto com o conceito de ética, o tamanho do Estado será um eixo da campanha no ano de 2018.
O outro par conceitual orbita sobre a própria ideia de esperança: devemos cultivar a ansiedade otimista ou ela atrapalha o real, devorador de sonhos? O anseio sorridente do esperançoso dificulta-lhe lidar com a resiliência dos mil pequenos embates pela frente? É a pergunta que Hamlet faz no seu monólogo mais importante. Vivemos, segundo o dinamarquês, em um “mar de dificuldades” (sea of troubles) que erode nossa decisão e nos alveja no propósito. Devemos lutar ou ceder ao imperativo circunstante do real? O otimista diz sim e o pessimista não. Ambos morrem ao final da peça. Se o final é o mesmo, ao menos o otimista possui esta xilocaína para as flechas inevitáveis. Pangloss e Hamlet parecem olhar para a mesma caixa de Pandora com olhos distintos. Normalmente, gosto mais do otimismo panglossiano em janeiro. Costumo chegar a dezembro com a melancolia de Elsinore. Feliz 2018 para todos nós!